O processo da cura não será como você imagina
- Fernanda Gregório Fonseca

- 7 de nov.
- 3 min de leitura
A maioria de nós chega à ideia de cura com uma expectativa secreta: de leveza, de paz imediata, de um tipo de reencontro que acalma o peito. Mas a verdade é que a cura raramente se parece com descanso no início. Ela se parece mais com um desmonte.
Porque curar não é apenas melhorar; é rever o que foi construído sobre dor. E nada que foi moldado como defesa se desfaz sem resistência. A alma, acostumada a sobreviver, estranha a ideia de existir com liberdade.
O processo de cura é um território que pede coragem. Não é um caminho linear, nem esteticamente belo; é o lugar onde o que estava adormecido acorda, o que foi negado vem à tona, e o que parecia esquecido pede para ser olhado com amor.

A travessia da dor
Freud já dizia que o inconsciente sempre retorna. Aquilo que evitamos não desaparece, apenas muda de forma. E um dia, o que não foi escutado dentro de nós começa a gritar por reconhecimento.
A cura, então, não é mágica; é processo. É o lento e compassivo exercício de sustentar o que antes se tentava apagar.
Bion, que é uma referência na psicanalise, chamava isso de capacidade negativa: a habilidade de permanecer em estados de incerteza, de não saber o que virá, mas ainda assim confiar.
Um autor que eu admiro diria que, nesse percurso, o ambiente interno precisa ser recriado. Precisamos de um novo colo simbólico; uma “mãe suficientemente boa”, para reaprender a viver em segurança dentro de nós mesmos.
A cura começa quando paramos de lutar contra o que sentimos e passamos a dialogar com o que fomos.
O desmonte das idealizações
Muitas vezes, queremos ser curados sem precisar mudar. Queremos cura que preserve o velho “eu”, o mesmo padrão, o mesmo controle. Mas a cura real não é uma reforma; é uma reconstrução.
Jung dizia que “não nos tornamos iluminados ao imaginar figuras de luz, mas ao tornar consciente a escuridão. ”Por isso, curar é integrar, não apagar. É reconhecer que há beleza nas partes que um dia rejeitamos.
O ego idealiza um final bonito.
Mas a alma quer verdade; e verdade, às vezes, dói antes de libertar.
O que eu vejo, sobre a dimensão espiritual da cura
Há uma parte da cura que a psicologia/psicanalise explica, e outra que só o sagrado alcança.
Deus não cura apenas o sintoma; Ele toca o centro. E o centro nem sempre está visível. Ele entra por caminhos que desafiam a lógica, desmonta o que estava bem estruturado, mas estéril, e planta vida onde só havia aparência.
O processo divino de cura é silencioso, paciente e, por vezes, desconcertante. Ele não vem para restaurar o “antigo eu”, mas para nos devolver à essência que esquecemos enquanto tentávamos ser fortes.
Talvez a cura seja isso: um retorno ao que é verdadeiro, ainda que doa atravessar o falso.
O que floresce depois
A cura não será como você imagina. Mas será melhor do que você espera.
Ela não virá apenas como alívio, mas como ampliação. Não será um fim da dor, mas o começo de um novo olhar sobre ela.
E um dia, quando você se olhar sem pressa, perceberá: a dor que te derrubou foi a mesma que abriu espaço para caber amor.
Selah.
Por Fernanda Gregório Fonseca
📚 Referências
Meus pensamentos,
E também...
Freud, S. (1917). Luto e Melancolia.
Winnicott, D. W. (1965). The Maturational Processes and the Facilitating Environment.
Bion, W. R. (1962). Learning from Experience.
Jung, C. G. (1959). Aion: Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo.
Nouwen, H. (1992). The Inner Voice of Love.
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