Ela disse: "não quero mais merecer amor" e a sessão mudou

Fernanda Gregório Fonseca
3 de jul.
3 min de leitura

A sessão fluía com naturalidade. Conversas sobre rotina, trabalho, e um relacionamento marcado por altos e baixos. Até que ela parou. Olhou fixamente para um ponto indefinido e, quase em sussurro, disse: "Eu não quero mais merecer amor."

Foi ali que tudo mudou.

Não era apenas uma frase. Era um rompimento. Uma ruptura com um pacto silencioso que tantas mulheres assumem sem perceber: o de que precisam merecer tudo, até mesmo o afeto.

Amor como recompensa: quando tudo precisa ser conquistado

Desde cedo, aprendemos que amor se ganha. Que carinho é uma recompensa pelo bom comportamento. "Se você se comportar, a mamãe vai te amar." "Você é uma boa menina quando ajuda todo mundo."

Essas frases simples formam raízes profundas. Crescemos acreditando que precisamos ser agradáveis, produtivas, fortes, gentis... para sermos dignas de amor. E isso não desaparece na vida adulta. Pelo contrário, se torna a base de muitos vínculos. A psicanálise chama isso de amor condicionado. Um padrão invisível que afeta como nos relacionamos com os outros, com nós mesmas, até com Deus.

Por isso, quando uma mulher diz: "não quero mais merecer amor", ela está fazendo algo corajoso. Está rompendo com esse sistema. Está dizendo: "chega de me moldar para caber no afeto dos outros".

O cansaço de quem vive se ajustando

Viver tentando merecer amor é cansativo. Gasta energia emocional. Esmaga a espontaneidade. Faz com que muitas mulheres passem anos se adaptando, se explicando, se calando. Sempre tentando não incomodar, não atrapalhar, não ser "demais".

Mas amar não é barganhar. Não é algo que se ganha por desempenho emocional. O corpo sabe disso. A alma grita por isso. Mesmo que a mente ainda não aceite.

E aí vem o vazio. A angústia. O esgotamento. Vínculos que não nutrem. Relações que exigem mais do que oferecem. E a sensação de que, por mais esforço que se faça, nunca é suficiente.

Até que, de repente, essa verdade emerge: não é amor o que estamos tentando conquistar. É aprovação. E o amor verdadeiro? Ele não exige mérito. Ele só pede presença.

Fé que alivia ou fé que pesa?

Para muitas mulheres, a fé também entra nesse lugar de cobrança. Cresceram ouvindo que Deus se agrada apenas de quem "faz tudo certo". Orar, jejuar, servir, negar-se sempre. Como se até a espiritualidade tivesse que ser merecida.

Mas a fé cristã verdadeira é um convite à graça. É amor antes de mudança. É cuidado antes de merecimento. Deus não te observa esperando desempenho. Ele te ama no processo. No cansaço. Na dúvida. No tropeço.

Talvez o que precise mudar não é sua fé, mas o peso que colocaram sobre ela.

E quando eu não me acho digna?

É comum sentir que ainda não está pronta para receber amor. Como se precisasse curar tudo, entender tudo, resolver tudo antes de ser digna de cuidado.

Mas não precisa.

Você pode estar em processo. Com dúvidas. Em reconstrução. Com dias difíceis. E ainda assim merecer carinho, descanso e espaço.

O amor que cura não espera sua melhora. Ele ajuda a sustentar sua melhora.

Aquela mulher, ao dizer o que disse, não apenas desabafou. Ela deu um passo em direção a uma nova identidade. Deixou para trás o lugar de quem sempre precisa provar algo para ser amada.